Por Flávio Calife e Yan Cattani

O esforço do Banco Central nos últimos tempos tem sido notório no que tange à incursão de medidas microeconômicas que visam à melhoria do sistema financeiro. Essa prática de inovação pode mesmo ser estendida à última gestão da entidade, cuja lista de medidas macroprudenciais é extensa. No entanto, pouco tem sido observado na dinâmica do mercado de crédito, pois grande parte desses efeitos ainda não podem ser mensurados, uma vez que abordam pontos marginais, mas não cruciais de nosso sistema.

Recentemente, a autoridade monetária anunciou frentes de trabalho para tentar desenvolver soluções para velhas questões estruturais da economia brasileira. Uma delas ligada a problemas da própria instituição (alcunhada de “Sistema financeiro mais eficiente”) e outra ligada a problemas do Sistema Financeiro Nacional (principalmente as famigeradas taxas de juros).

Para que haja sucesso nas novas empreitadas é imprescindível que se promova uma redução estrutural e sustentável dos riscos da concessão de crédito, que atualmente é a principal razão do atual nível dos spreads bancários que elevam em demasia as taxas finais de juros aos consumidores e empresas. A atuação nesse tema, contudo, exige cautela e deverá ser realizada de modo que se evite experimentos voluntaristas que observamos no passado recente e que só nos fizeram recuar em termos institucionais – como a redução forçada das taxas de juros pelos bancos públicos.

Entre as preocupações das frentes de trabalho foram estabelecidas algumas prioridades, tais como:

(i) simplificação das regras do compulsório, com foco na redução da complexidade operacional;

(ii) estímulo a adimplência por meio do aperfeiçoamento do cadastro positivo, com mudanças na forma de inserção dos usuários, levando a redução da assimetria informacional;

(iii) duplicata eletrônica, com a criação de um mercado centralizado para duplicatas, recebíveis de cartão de crédito e outros recebíveis;

(iv) regulamentação da Letra Imobiliária Garantida objetivando a ampliação da oferta de crédito de longo prazo para a construção civil e redução do custo do crédito para o tomador final;

(v) aumento da eficiência e acesso do cartão de crédito;

(vi) aperfeiçoamento da legislação de alienação fiduciária, com nova sistemática para imóvel que vai a leilão (valor do IPTU ou do contrato, critério de intimação, previsão do direito de preferência) e;

(vii) aperfeiçoamento da Lei de Falências (com mais poder aos credores, incentivo à recuperação extrajudicial, agilização do processo e melhoria das garantias dos adquirentes da empresa).

Todas essas reformas microeconômicas têm como objetivo reduzir a complexidade do sistema financeiro e criar incentivos para um maior compartilhamento de informações, reduzindo as assimetrias que distorcem excessivamente os custos do crédito. Trataremos dessas medidas nos próximos artigos. Nesse momento abordaremos uma outra característica do sistema financeiro, que diz respeito às origens dos recursos que financiam os agentes econômicos.

Olhando atentamente aos dados, é importante registrar a mudança na composição do crédito na última década e meia: desde 2001, é possível ver um aumento de sua trajetória – que passou de 25,6% do PIB 49,3% em 2016. Em 2001, não tínhamos o crédito consignado e o crédito imobiliário representava menos de 5% da carteira de pessoa física. Hoje, a soma de tais modalidades já representa mais de 50% da carteira. O aumento substancial no período mencionado não foi ocasional, mas sim reflexo de uma de suas características: a segurança da concessão, uma vez que a incidência de juros é relativamente baixa comparado às demais modalidades e a inadimplência torna-se pequena.

A inadimplência, por sua vez, pode ser explicada por dois fatores: um direto, ligado à origem dos recursos, e outro indireto, ligado à composição dos spreads. O primeiro deles decorre do montante de recursos direcionados ofertados no sistema, originados em boa parte do orçamento governamental e que hoje possuem praticamente representação de 50% do total de recursos existentes na economia. O problema é que este tipo de crédito possui, majoritariamente, taxas pré-fixadas de juros estipuladas pelo governo que ficam artificialmente bastante abaixo da média de mercado, uma vez que são destinadas a investimentos, aquisições de longo prazo entre outras modalidades.

Já o segundo fator acaba sendo uma consequência do primeiro. Como o risco de concessão de crédito é inerente ao processo, toda margem encolhida artificialmente através da imposição de taxas pré-fixadas acaba sendo “jogada” para as modalidades livres. Com isso, a consequência final é que o encarecimento desse último tipo de crédito, utilizado preponderantemente para consumo, também fica artificialmente alterado, mas com viés de elevação.

A ponderação de risco entre as duas categorias (direcionados e livres) é completamente diferente uma da outra, visto que a origem, determinação de taxas, garantias de pagamento dos tomadores, entre outros são bastante variadas. Portanto, para o concedente, restam apenas duas opções: deixar de ofertar crédito ou elevar os spreads a níveis bastante elevados, de forma que haja uma compensação dessa gama de incertezas que imperam no mercado de crédito.

Em suma, atacar os problemas ligados aos spreads deverá trazer grandes melhorias dos níveis finais de juros. O problema é que as políticas econômicas para tratar o assunto ainda são consideradas insuficientes, pois não resolvem o cerne do problema, que é a excessiva regulação do sistema ocasionada pela imensa vinculação de recursos direcionados e suas taxas pré-estipuladas. Portanto, o caminho ainda parece muito longo, pois simples normas infraconstitucionais não deverão dar conta das mudanças desejadas.

(*) Artigo originalmente publicado pelo site do IBEF (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo) em 27 de março de 2017.