Por Flávio Calife e Yan Cattani

O Brasil tem vivido um paradoxo entre a expectativa e a realidade. Enquanto os indicadores de confiança e as expectativas de crescimento estão subindo há algum tempo, os resultados efetivos da economia ainda têm decepcionado. Não há dúvidas de que algumas das expectativas já se tornaram realidade, mas ainda são insuficientes para trazer um ambiente menos incerto para o consumo e para o investimento.

Entre os indicadores que apontam para uma melhora estão a inflação e os juros. No entanto, para que possamos obter concretamente uma reversão das incertezas e consequentemente uma retomada mais forte da atividade, ainda deveremos esperar uma evolução mais consistente das variáveis ligadas ao mercado de trabalho, ou mais diretamente uma diminuição do nível de desemprego e aumento da renda real dos trabalhadores.

Felizmente, alguns indicadores, sobretudo os divulgados pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS), já apontam para este direcionamento. De acordo com a última divulgação, o saldo entre admissões e desligamentos de postos de trabalho veio bastante acima das leituras observadas nos últimos dois anos – revelando uma consistente melhora do mercado de trabalho iniciada há pouco mais de três meses.

Contudo, devido à natureza dos dados (obtidas pelo envio de dados das empresas ao MTPS), tais resultados refletem apenas o panorama formal do mercado de trabalho. Neste sentido, ao considerar os Dados da Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar Contínua (PNADC, elaborada pelo IBGE e que capta também os detalhes do mercado informal), ainda é possível observar um aumento do desemprego e rendimento real negativo.

Melhor detalhando, na PNADC verifica-se atualmente uma desaceleração do crescimento da desocupação e um retorno dos rendimentos em direção à neutralidade. Ainda que esta não seja a combinação ideal, ao se calcular o crescimento da massa de rendimentos reais (que consiste na multiplicação da população ocupada pelo valor médio real dos trabalhadores), em sua última aferição foi observado o primeiro valor positivo nos últimos 18 meses, de 0,7%, considerando a variação de março de 2017 contra o mesmo mês do ano anterior. Resultado tímido, mas que já pode ser considerado outro ponto a favor da reversão da crise econômica.

Para além da questão da formalidade/informalidade do mercado de trabalho, há ainda de se considerar o processo de “pejotização” vivenciado nos últimos dois anos. Considerando os dados do indicador de Abertura de Empresas da Boa Vista SCPC, a desaceleração das chamadas MEI (Microempreendedor Individual) é evidente. Após atingir o ápice de crescimento no último trimestre de 2015, com elevação 13,5% (nos valores acumulados em quatro trimestres frente ao mesmo período do ano anterior), atualmente o crescimento é de 4,3%, mantida a base de comparação. Para as demais modalidades de empresas, nos períodos citados houve queda de 3,2% e -12,0%, respectivamente. Ou seja, antes mesmo da legislação que permitiu a terceirização dos serviços-fins, houve um grande crescimento da “pejotização”, mas que agora já apresenta diminuição do crescimento, motivado possivelmente pela melhora marginal do mercado de trabalho.

Todo esse cenário, quando observado pelo lado das empresas, vem alinhado às significativas melhorias dos indicadores de solvência. Após grande crescimento em 2015 houve desaceleração do crescimento dos pedidos de falência e recuperação judicial em 2016, fato que continua sendo observado neste ano.

Retomando brevemente o histórico do biênio em questão, o forte ajuste realizado na economia em diversas frentes em 2015 ocasionou num primeiro momento uma grande deterioração do mercado de trabalho (aumento de desemprego e queda abrupta da renda), elevação generalizada de preços, aumento de juros e consequente diminuição do crédito na economia. Tais fatores colaboraram para que ocorresse uma grande elevação da incerteza, deixando os consumidores mais cautelosos e colaborou para o encarecimento adicional dos juros, via spread. Ou seja, as empresas reduziram sua capacidade de gerar caixa, pois pararam de vender devido ao comedimento de consumo e ficaram sem opções para contratações de capital de giro, muito caros ou mesmo inexistente para a grande maioria de empresas (micro e pequenas). Com isso, houve naquele ano um grande aumento nos pedidos de falência, além de uma massiva onda de demissões.

Já em 2016, alguns efeitos benéficos dos ajustes, como a desinflação, aprovação de medidas no Congresso Nacional, tramitação de propostas de reforma, redução de juros, entre outros fatores, começaram a surtir efeito.  Tal fato alinhado à mudança do cenário político contribuiu para dar algum alento à economia, melhorando o nível de confiança, revertendo parcialmente o péssimo cenário do ano anterior. Dito de outra forma, esta melhora – ou pelo menos não piora de cenário – contribuiu para que tanto as falências como as recuperações judiciais fossem reduzidas devido a um efeito base de comparação conjugado com uma pequena melhora do cenário macroeconômico em geral.

Contudo, para ser consistente e mais longevo, esse efeito ainda dependerá do desenvolvimento do cenário político, uma vez que a paralisação das reformas em uma eventual mudança (ou mesmo queda) do governo pode aumentar significativamente as incertezas e provocar um retrocesso nas pequenas evoluções recentes em nosso mercado de trabalho.

(*) Artigo originalmente publicado pelo site do IBEF (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo) em 23 de maio de 2017.