Por Paulo Rabello de Castro, da RC Consultores

O BCRA, Banco Central da República Argentina, deixou de intervir, como o faz diariamente, na sustentação do peso argentino e, com isso, a moeda local escorregou 3,5% no dia de ontem contra o dólar. O BCRA já vinha permitindo uma desvalorização diária do cambio argentino oficial desde o segundo semestre de 2013. Neste mês de janeiro, a desvalorização acumulada já perfaz 9,5%, uma mididesvalorização do peso. A moeda no paralelo, que lá se chama sutilmente de “blue”, também seguiu desvalorizando e fechou ontem acima de 12 pesos por US$. No oficial, com a queda de ontem, o peso foi a 7,14 pesos, que ainda denota o grau de incerteza em relação à política econômica – se é que se pode chamar assim – do governo de Cristina Kirschner. A presidenta, que vinha reiterando não querer ceder a “pressões especulativas” dos mercados, não se pronunciou sobre a mudança de curso do câmbio.

A Argentina vai insistindo numa política econômica de derrocada, em tudo semelhante ao que fizeram governos sucessivos na década de 1980, durante a penosa crise da dívida de nossos países. A diferença é que lá nos anos 80 os dólares realmente escasseavam e os países da região muitas vezes não tinham divisas em seus cofres nem para fechar as transações externas. Desta feita, agora não. Os países do Mercosul tiveram a maior bonanza de dólares em um século. Desde 2003 os preços de commodities não pararam de subir. Foi uma década de bônus, que a Argentina desperdiçou completamente. Hoje os preços do agronegócio estão claramente na descendente, restando apenas à soja como cotação ainda resistente à queda. A produção dessa oleaginosa vinha segurando as contas na Argentina, dada a política de “retenciones” (35%) que taxa a exportação do produto. As reservas do país estão reduzidas a US$ 29 bilhões que, na prática, é recurso da mão para a boca. Daí a urgência de permitir a desvalorização oficial. Esta, no entanto, elevará preços internos e comerá o resto da popularidade de Cristina.

Ed.350