Por Flávio Calife e Yan Cattani
O ano de 2015 certamente foi um ano marcante para o mercado de crédito. Mas, assim como para as demais variáveis macroeconômicas, marcante em um sentido negativo. Tanto nos aspectos institucionais quanto nas percepções conjunturais houve grande deterioração, sobrando aos consumidores apenas a opção de serem meros espectadores deste episódio histórico.
Com relação aos aspectos institucionais, iniciamos 2015 com uma série de medidas macroprudenciais realizadas no término de 2014. Tais tratativas objetivavam incentivar o uso de créditos então “travados” no compulsório, facilidades na obtenção de créditos consignados, apoio aos empréstimos de cooperativas, dentre outros estímulos. Nenhuma delas, contudo, conseguiu reverter o cenário já previsto de desaceleração do crescimento de crédito.
Mas, talvez, o fato mais preocupante foi a sanção da lei estadual paulista nº 15.659/2015, conhecida como Lei do AR (Aviso de Recebimento), cuja orientação determina que o consumidor inadimplente somente poderá ser inserido nos bancos de dados após assinar um Aviso de Recebimento – ao invés da carta simples utilizada até então, mais prática, rápida e barata para as empresas. A medida, além de encarecer e dificultar o processo de negativação do inadimplente, tende a restringir concessões e elevar as taxas médias de juros. Um retrocesso institucional notório para o ano.
Com relação à questão de conjuntura econômica, diversas variáveis como consumo das famílias, inflação, investimento, produção industrial, entre outras, registraram ao longo de 2015 resultados negativos, inclusive com diversos recordes neste sentido.
Para o mercado de crédito não foi diferente: provavelmente registrará seu primeiro ano de crescimento real negativo desde 2000 (dados disponibilizados pelo Banco Central ainda não mostraram o consolidado do ano), com provável queda de 3,5%.
Apesar da tendência negativa ser ocasionada tanto pela diminuição dos recursos livres quanto a de recursos direcionados, a retração deverá ser mais intensa na primeira categoria, com provável variação de -7% e de -2% para a segunda.
Será também o último ano em que os recursos livres serão historicamente mais representativos do que os recursos direcionados; o último que o crédito para consumo será mais significante do que as categorias voltadas a financiamentos com destinação específica, como investimento, produção e habitação.
Esta piora da conjuntura econômica e institucional colaborou também para aumento dos spreads no ano devido ao aumento do risco para concessão de crédito, elevação dos custos e expansão da margem de lucro. Enquanto para os recursos livres 2015 deverá apresentar aumentos em torno de 7 p.p. frente a 2014, atingindo um patamar médio de 33%, para os recursos direcionados os spreads subiram de forma mais amena, 0,8 p.p., encerrando o ano com provável resultado de 3,6%.
A grande elevação da Selic durante o ano passado também atuou no sentido de piorar as perspectivas de juros. Para a categoria de recursos livres, a majoração das taxas deverá atingir 10 p.p., com uma média de 49%. Já para os recursos direcionados esta elevação deverá ser próxima de 1,7%, fechando 2015 em 10,5% aproximadamente.
Junto com o aumento de juros, a inadimplência também piorou no ano. Após passar 3 anos fornecendo dados positivos ao mercado, em 2015 a inadimplência deverá fechar o ano em patamar superior ao de 2014.Talvez a categoria mais sensível desta variável seja a voltada ao consumo para famílias – a de recursos livres para pessoa física – cujo nível deverá subir 0,6 p.p. acima do nível registrado um ano antes, de 5,3%.
Para as empresas, a inadimplência da categoria livre deverá apontar o maior registro da nova série histórica do BC (iniciada em março de 2011), com provável resultado de 4,6%.
Virando o ano, 2016 já começa com uma lista extensa de desafios. Já se sabe que a inflação dificilmente cumprirá a meta estabelecida para o ano. Para as contas públicas, o objetivo de superávit primário também é pouco crível. Vendas do varejo, produção industrial e consumo das famílias encontram-se distantes de chegarem em níveis positivos. Em suma, a atividade econômica como um todo deverá ser novamente negativa, com atuais previsões de mercado já prevendo queda de 3%.
Com esta perspectiva, o crédito deverá sofrer nova desaceleração em termos nominais. Para os recursos livres, a redução deverá ocorrer de forma consideravelmente menor do que à comparada aos recursos direcionados. Seu atual “piso” de 4% de crescimento nominal deverá reduzir-se em torno de 0,5 p.p.
Para os recursos direcionados, cuja origem é em boa parte vinculada às receitas orçamentárias de órgãos da administração direta e indireta do governo, espera-se uma desaceleração mais forte, que na pior das hipóteses deverá ser diminuir pela metade, atingindo um crescimento em torno de 6%, mantida a base de comparação.
A Selic, cuja perspectiva deverá manter-se no atual nível (ou com pouca elevação), corrobora para um cenário onde os juros permaneçam pouco acima dos níveis previstos para 2015. Spreads, por sua vez, também não possuem um cenário alterado de forma considerável, uma vez que o risco na concessão não deverá diminuir.
A inadimplência talvez seja a variável mais relevante para 2016. Embora a deterioração das já citadas variáveis macroeconômicas tenda a influenciar negativamente os atrasos de pagamentos, este cenário afeta de forma muito mais significativa as empresas, que, sem geração de caixa, apelam aos empréstimos mesmo sem possuir garantias, atingindo provável nível (e novo recorde) de 5%.
Mas, para as pessoas físicas, o ajuste estrutural vivenciado no mercado de trabalho deverá ser muito mais significativo para a inadimplência desta categoria no ano. Com o enrijecimento das leis que regulam o acesso ao seguro-desemprego e com o grande salto decorrente das milhões de demissões registradas em 2015 (e que deverão continuar ao longo de 2016), a diminuição da renda das famílias deverá ocorrer de forma mais acentuada. Estes fatores contribuem para a piora da inadimplência, cuja taxa correspondente poderá atingir valores próximos a 6,5%.
(*) Artigo originalmente publicado pelo site do IBEF (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo) em 18 de janeiro de 2016.