Com menos auxílios, mais restrições e pressões inflacionárias, varejo inicia o ano em xeque.

 

O varejo surpreendeu o mercado, negativamente, em dezembro do ano passado ao registrar queda de 6,1% na comparação mensal dos dados dessazonalizados. Naquela ocasião, o mal desempenho do varejo foi, por muitos, justificado pela proximidade do fim do programa de auxílios emergenciais. No entanto, aquele resultado somente marcou o início de uma desaceleração na curva de longo prazo do indicador. Em 12 meses acumulados, o crescimento do varejo passou de 1,2% em dezembro para 0,4% na última aferição, referente ao mês de fevereiro.

Ficou claro ao longo do ano passado que o auxílio emergencial sustentou as vendas do varejo num patamar acima do esperado, agora, contudo, mesmo com a retomada do programa, o efeito dele sobre o comércio deverá ser reduzido desta vez, uma vez que o valor a ser distribuído é menor, assim como, o número de pessoas elegíveis ao benefício. Desta forma, seria, no mínimo, razoável algum nível de pessimismo em relação ao primeiro trimestre de 2021, dado que se passaram três meses completos sem o suporte do governo.

Além disso, o mês de março tende a ser um fiasco em função das medidas de isolamento ainda mais restritivas em diversas localidades. O indicador antecedente de Movimento do Comércio da Boa Vista apontou queda de 16,4% em março na comparação mensal dos dados dessazonalizados e de 22,9% na comparação interanual.

Outro fator de suma importância deve pesar ainda mais sobre o varejo, o desemprego. O impacto real do aumento no número de desempregados pela crise do coronavírus foi mascarado, inicialmente, pelo primeiro programa de auxílio emergencial, no entanto, o cenário atual é outro e a retomada no mercado de trabalho parece cada vez mais distante à medida que uma solução definitiva para o problema é prorrogada.

O lentificado processo de imunização da população têm um preço alto. Considerado um pilar para a retomada da economia, a imunização rápida, no caso, a falta dela, atrasa a recuperação econômica e outros fatores adjacentes a ela, como a retomada da agenda de reformas estruturais e o já citado reaquecimento do mercado de trabalho.

Quanto mais o tempo passa, mais vulneráveis ficam as famílias e os negócios, sobretudo, os pequenos, que ainda estiverem abertos, uma combinação nociva ao varejo como um todo. A despeito da crescente relevância do e-commerce em relação ao total, evidentemente impulsionado pela crise, embora já fosse uma tendência, a digitalização dos negócios ainda é um privilégio de poucos e, no 1º trimestre de 2021, nem mesmo isso deverá aliviar os números finais do varejo, consequentemente, resultando numa desaceleração ainda mais forte na curva de longo prazo.

Nos três primeiros meses do ano o varejo esteve diante de um quadro similar ou pior ao início da pandemia, sem auxílios, com restrições severas e com o mercado de trabalho mais fragilizado. A situação ainda é agravada pelas pressões inflacionárias. O IPCA passou de 3,30% para 6,10% entre os meses de março de 2020 e março de 2021, enquanto o IGP-M passou de 6,82% para 31,10% no mesmo período.

Isso tudo resultou também numa piora de outros fatores condicionantes, tais como, a confiança. Em março de 2021, o Índice de Confiança do Comércio caiu 20,3% e o Índice de Confiança do Consumidor 12,6%. No ano passado, quando a confiança desabou em abril, a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), feita pelo IBGE, registrou queda de 17,1% na comparação mensal dos dados dessazonalizados, a maior desde o início da série histórica. Como se isso não bastasse, o crescimento de 15,4% na concessão de recursos livres às famílias em janeiro de 2020 foi revertido em queda de 4,4% na variação acumulada em 12 meses com base nos dados até fevereiro de 2021.

Não restam dúvidas de que o varejo, enfim, ficou cara a cara com os impactos da crise. Outros segmentos, como a Indústria e os Serviços, sentiram os efeitos da pandemia ainda em 2020. Agora, o que resta saber, é por quanto tempo o varejo ainda vai se segurar.