Flávio Calife e Vitor França

 

Matéria do Financial Times publicado no Valor Econômico no início deste ano (“Altos executivos trocam bancos por fintechs”, de 09/01/2019) relata brevemente a experiência de altos executivos de finanças, com longa experiência em tradicionais instituições globais como Citigroup, HSBC, Barclays e J.P. Morgan, no comando de empresas de tecnologia financeiras – as fintechs.

Se, ao redor de todo o globo, estas empresas estão alterando profundamente a dinâmica da prestação de serviços financeiros – e, com isto, abrindo novas oportunidades para os executivos do setor –, no Brasil o cenário não é diferente. Outra matéria do Valor, esta do final de 2017 (“Cresce a disputa por executivos experientes para atuar em fintechs”, de 04/12/2017), indicava que movimento semelhante também já vinha sendo observado entre os executivos do país.

De acordo com a Pesquisa Fintech Deep Dive 2018, realizada pela Associação Brasileira de Fintechs e pela PwC, o número de fintechs no Brasil saltou de 28 em 2011 para 219 no final de 2017. Trata-se de um mercado bastante jovem, visto que 46% das empresas entrevistadas nasceram após 2016, sendo que 51% ainda estão em início de operação e 8%, em fase de idealização ou validação de um produto viável mínimo (não têm clientes). A maioria delas (54%) concentra sua atuação nos segmentos de meios de pagamento (25%), crédito (21%) ou gestão financeira (8%), com 12% delas já faturando acima de R$ 10 milhões por ano.

É exatamente no segmento de meios de pagamento – o qual concentra a parcela mais relevante destas empresas no país – que a presença delas já se faz notar de forma mais destacada – inclusive com impacto no resultado de 2018 dos grandes bancos.

Levantamento da área de Indicadores e Estudos Econômicos da Boa Vista, elaborado a partir dos demonstrativos de resultado referentes aos nove primeiros meses do ano passado, permitiu traçar uma análise comparativa do desempenho dos quatro maiores bancos do país (Itaú, Banco do Brasil, Bradesco e Santander) e já levantar algumas primeiras constatações interessantes a respeito das tendências da competição bancária e dos impactos da entrada das fintechs no mercado brasileiro.

Embora a soma do lucro destes bancos ainda registre crescimento de dois dígitos, as receitas de serviço de cartões de crédito e débito – sua principal linha de receita de prestação de serviços – vêm registrando um crescimento mais tímido nos casos de Bradesco (4,2%) e Itaú (3,2%), e queda no caso do Banco do Brasil (-1,8%). O Santander é o único que ainda registra forte crescimento nesta linha de receitas (18,1%), impulsionado pela expansão de sua adquirente, a Getnet.

Pelo menos dois fatores parecem estar por trás desses resultados:

  • O aumento da concorrência e da oferta de cartões sem anuidade (a fintech Nubank, por exemplo, já superou a marca de 5 milhões de clientes);
  • O aumento da concorrência no mercado de maquininhas, impulsionado por mudanças regulatórias, avanços tecnológicos e entrada de novos competidores, com destaque para as fintechs PagSeguro e Stone, que recentemente abriram o capital em Nova York.

Estimativas da consultoria Boanerges & Cia. divulgadas na Isto É Dinheiro (“Uma pedra de US$ 7 bilhões”, de 26/10/2018) apontam que, entre 2016 e 2017, a participação da Cielo no volume financeiro transacionado com cartões de pagamento já tenha caído de 47,1% para 45,2%. A da Rede, de 32,1% para 28,9%. O market share da Getnet, por sua vez, teria crescido de 9% em 2016 para 10,5% em 2017. O da PagSeguro, de 0,6% para 2,2%. E o da Stone, de 1,6% para 2%.

No segmento de pequenos negócios, que concentra a imensa maioria das empresas do país, a PagSeguro, pioneira no modelo de venda de maquininhas, já é líder de mercado, com 35% de participação, segundo pesquisa divulgada recentemente pelo Sebrae.

As grandes credenciadoras, ligadas a bancos – o Bradesco e o Banco do Brasil são sócios da Cielo, o Itaú é dono da Rede e o Santander, da GetNet –, além de perderem espaço no mercado, estão vendo suas receitas de prestação de serviços recuarem por causa tanto da queda das taxas de desconto como da redução das receitas com o aluguel das maquininhas. Com o aumento da competição crescem também as despesas de marketing, o que agrava mais a situação destas empresas. A Cielo, única grande credenciadora que ainda divulga trimestralmente seus resultados, viu seu lucro líquido recuar de R$ 3,2 bilhões nos nove primeiros meses de 2017 para R$ 2,8 bilhões no mesmo período de 2018, a primeira queda da história nesta base de comparação.

As receitas com tarifas de conta corrente – a segundo maior linha de receita de prestação de serviços dos grandes bancos –, por sua vez, cresceram 15,4% no Santander, 8,7% no Itaú, 8% no Bradesco e 6,1% no Banco do Brasil, acima da inflação e da média das demais receitas de serviços, portanto. Isto mesmo diante da expansão da oferta de contas digitais com pacote básico de serviços sem tarifas.

Se, por um lado, o resultado indica que os grandes bancos ainda estão conseguindo aumentar as receitas de tarifas a despeito do aumento da concorrência no segmento e  da maior oferta de contas digitais por fintechs (o Banco Inter, por exemplo, já superou a marca de 1 milhão de contas digitais), por outro lado, os números dão uma dimensão do tamanho da ameaça representada pelos avanços tecnológicos, já que há quem aposte que contas correntes se tornem, em um futuro próximo, mera commodity, um meio de se relacionar com clientes e ofertar produtos e serviços financeiros – e não mais um serviço capaz de gerar receitas diretamente.

Temos razões para acreditar, assim, que estamos vivendo apenas o início de uma significativa mudança na dinâmica da competição bancária e da prestação de serviços financeiros. “E o que algum tempo era novo, jovem, hoje é antigo”. E, para encarar os desafios que teremos pela frente, seja atuando em uma instituição tradicional, seja em uma fintech, nós, executivos de finanças, “precisamos todos rejuvenescer”.