Banco Central lança edital de consulta pública para o Open Banking, dando continuidade ao processo de modernização do mercado de crédito brasileiro

Diferente do ocorrido com o Cadastro Positivo, que demorou décadas para ser implementado no Brasil enquanto outros países já desfrutavam desse arranjo institucional, novas regras estão nos colocando na vanguarda do mercado de crédito mundial. Esse nem sempre é o padrão de atuação das instituições que regulam o mercado financeiro, como o Banco Central, por exemplo.

A nova face do banco iniciada em 2016 com a presidência de Ilan Goldfajn instituiu uma agenda positiva para tentar recuperar o tempo perdido, conhecida como Agenda BC+ e agora transformada em Agenda BC# pela nova administração.

Entre as diversas mudanças já implementadas destacam-se a regulamentação das fintechs de crédito, a duplicata eletrônica, a empresa simples de crédito e a principal delas, a nova lei do Cadastro Positivo.

Apesar de importantíssimo para o país, o Cadastro Positivo não é um grande diferencial na comparação com o resto do mundo. Seus resultados já são amplamente conhecidos em diversos países e escancaram o tempo que o Brasil perdeu estancado em um mercado baseado predominantemente em dados negativos e cadastrais.

Já em operação desde julho de 2019 o Cadastro Positivo deve nos colocar em alguns anos em pé de igualdade com as mais modernas práticas utilizadas para a análise de crédito existentes e elevar sobremaneira a assertividade dos modelos, com aumento de eficiência e redução de riscos para todo o ecossistema do crédito.

Mas talvez a melhor notícia seja que novas medidas anunciadas irão nos colocar na vanguarda das mudanças que vêm ocorrendo atualmente no mercado de crédito mundial. O lançamento do edital de consulta pública do BC em novembro de 2019 para a implementação do Open Banking no Brasil a partir do segundo semestre de 2020 representa um grande marco na tentativa de equipararmos o Brasil às tendências internacionais.

O conceito e operação do Open Banking no mundo são recentes e ainda são poucas experiências disponíveis para uma observação mais conclusiva.  O Reino Unido que é referência para o Brasil nesta área começou a implementar o modelo em 2016, e ainda está em fase de testes e avaliação. Mas as expectativas são enormes, dado que as mudanças propostas são muito mais disruptivas do que incrementais, como é o caso Cadastro Positivo. A partir do princípio de que os dados pessoais são propriedade do indivíduo, eles poderão ser compartilhados com provedores de serviços financeiros, desde que com conhecimento explícito do consumidor. O conceito firma-se na visão de que, sendo tais dados de propriedade dos usuários, e não das instituições que gerem as contas bancárias, é escolha dos primeiros permitir ou não o seu acesso.

Além da mudança no conceito sobre a propriedade dos dados, a adesão ao Open Banking aumenta a quantidade de variáveis que estarão disponíveis para as avaliações. Além das variáveis de comportamento de pagamentos de crédito trazidas com o Cadastro Positivo, outras variáveis como saldo conta corrente, poupança, investimentos, seguros e previdência poderão ser utilizados pelos terceiros para a prestação de serviços, não necessariamente associados às operações de crédito.

Outra importante medida que também deve entrar em vigor no segundo semestre de 2020 é o sistema de pagamentos instantâneos, que permitirá operações sete dias por semana, 24 horas por dia. É outra mudança institucional que nos coloca na vanguarda do mercado meios de pagamentos. Países como os Estados Unidos, para se ter uma ideia, só avaliam um sistema de pagamento instantâneo para 2023 ou 2024.

Os arranjos institucionais podem definir o comportamento dos mercados na medida em que criam recompensas e limites para a atuação dos diferentes agentes econômicos. As regras criadas a partir desses arranjos determinam o comportamento dos agentes dos mercados e têm forte influência sobre o a eficiência e os riscos do mercado de crédito, por exemplo.

A evolução recente por que passou o mercado de crédito brasileiro não poderia ter acontecido sem a algumas medidas fundamentais que mudaram os rumos do setor. A lei de alienação fiduciária de bens imóveis em garantia, de 1997, criou condições para a expansão de um mercado imobiliário que se encontrava completamente estagnado. A regulamentação do crédito consignado em 2003 transformou os empréstimos pessoais e a vida financeira de milhões de consumidores. Hoje essas duas modalidades (imobiliário e crédito consignado) representam mais de 50% dos empréstimos para pessoas físicas. Em 2005 a Lei das falências aumentou a segurança na operação das empresas, trazendo maior segurança jurídica para devedores e credores. Essas mudanças, associadas a uma maior estabilidade econômica permitiram que a relação crédito/PIB mais do que duplicasse no período.

Se as inovações em curso caminharem no rumo certo, incentivando os agentes, reduzindo custos e riscos, o mercado de crédito poderá voltar a crescer mais expressivamente no médio ou longo prazo. As regras e instituições importam e estas alterações contribuem para a melhoria do marco regulatório do setor, incentivando acima de tudo, um crescimento mais sustentável do mercado de crédito e nos colocando no mesmo patamar do que há de mais avançado em termos de organização e eficiência do mercado de crédito no mundo.